UM VÍCIO CHAMADO DANÇA: O relato de uma bailarina compulsiva de Flamenco em Niterói

Por Marcella Freitas, aluna de Flamenco em Niterói

Marcella Freitas dançando flamenco
Marcella Freitas

Fui apresentada a dança ainda pequena. Eu tinha apenas três anos de idade, alguns cachinhos e muitas dobrinhas no corpo. Me lembro que fui muito bem recebida por uma moça magra, bonita e risonha chamada Tia. Ela já foi me pegando pela mão e me levando a uma sala cheia de outras meninas. Senti medo.

De repente a Tia contou até oito e todos se colocaram a posto: elas com os pés de bailarina, e eu, com os de palhaço. Senti vergonha.

Então uma música suave começou a tocar. Todos a minha volta se moviam. E eu?
Parada, menos minhas pernas que tremiam levemente. Senti vontade de fazer xixi.

A Tia chegou perto de mim com a mão fechada na frente do meu rosto. Senti pavor.

Ela me disse: “aqui dentro tem um pó mágico, o pó da dança. Assim que eu assoprar em sua direção você se tornará uma linda bailarina”. Mandou que eu fechasse os olhos, o que obedeci rapidamente pois até então achava que receberia um soco, e assoprou o meu rosto. Senti alívio… Fiz xixi no collant. Senti vergonha. E medo. Tive taquicardia. E teto preto.

Não posso dizer que minha primeira experiência com a dança foi boa. Mas fui convencida pela minha mãe que no começo era assim mesmo, que com o tempo os efeitos colaterais iriam sumir e eu só teria prazer. Insisti e descobri que ela tinha razão. A Tia contou até oito e meu corpo se mexeu, meu coração se encheu, meu sorriso se abriu. Senti prazer.

Quanto mais eu dançava mais eu queria. Eu não podia mais ficar sem o ballet. Mas só ele não bastava. Eu precisava de mais. Fui conhecer o jazz. Uma dança mais forte. Os consumidores dessa dança em geral são mais descontraídos, mais felizes. Senti curiosidade.

Me viciei rápido. O ritmo acelerado me contagiou. E logo os sintomas e os hematomas
apareceram. Senti amor. Senti dor.

Parei. Tive algumas recaídas. Mas com a ajuda de meus familiares e amigos de verdade
consegui superar a dor de não poder dançar. O pó mágico se evaporou, acabou. Senti raiva da Tia. Senti tristeza.

Segui a vida. Me conformei.

Até encontrar uma amiga da época que eu dançava. Seu nome não era Tia, mas também era bonita, magra e risonha. Sabia que ela estava sob o efeito da dança. E logo me confirmou. Estava dando aulas de Flamenco em Niterói e me ofereceu um pouco. Mais uma vez senti curiosidade.

Resolvi experimentar. Ouvi um som de guitarra. Depois um belo cante. Era forte. Era bonito. Hora alegre, outra triste. Saias se balançavam ao meu redor ao ritmo bem marcado de um sapateado acompanhado pelas palmas firmes. Senti meu corpo se mexer por dentro. Senti paixão.

Me apresentei a dança com uma postura imponente. Minhas mãos faziam movimentos suaves e bem definidos. Meus pés batiam no chão em compassos frenéticos. Nunca havia sentido nada parecido. Estava inebriada. Embriagada. Viciada.

Percebi que o pó não havia evaporado. Que ele nunca acaba. Descobri que ainda era uma
viciada em dança. E senti felicidade.



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