Entrevista com Rosa Jimenez

Entrevista com Rosa Jimenez

(Por Marilyn Mafra – Flamenco Brasil)

A bailaora de Barcelona acaba de mudar-se para o Brasil. Rosa já havia ministrado cursos no Rio de Janeiro em 2007 e se encantou pela cidade. Após workshop realizado em Florianópolis, a bailaora volta ao Rio de Janeiro, onde fixa residência. Dará aulas no Estúdio Bailado, em Ipanema, está em negociação com a Casa de Espanha, no Humaitá e em breve também na Academia Sol y Luna Danzas, na Tijuca.

Na Espanha, Rosa Jimenez estudou com artistas conhecidos no meio flamenco, como Antonio Salas, Consuelo Sánchez, José Granero, Merche Esmeralda e Alejandro Granados. Apresentou-se nos tablados Tarantos, Flamenco (em Tókio), Café de Chinitas, Corral de la Pacheca e no tradicional Casa Patas. Em 1998 entrou para a Companhia Ballet Teatro Español de Rafael Aguilar onde participou de diversos espetáculos. Foi professora de baile na Fundación Rafael Aguilar, Fundación Casa Patas, no Centro Flamenco Amor de Diós eno  Teatro Calderón e já realizou workshops em em diverosos países, entre eles Austrália, Aústria, Alemanha, Itália, Rússia, Estados Unidos e Japão.

Como você começou no flamenco?
Levaram-me pequenina, com quatro ou cinco anos, para ver as cuevas de Granada, cidade de minha avó. Quando vi as ciganas bailando aquele dia, me apaixonei pelo flamenco.
Em Barcelona, lembro que havia um programa de ballet clássico na televisão pelas noites. Eu assistia o Lago dos Cisnes, Don Quixote, Quebra Nozes. Então, quando estava com oito anos, e meu corpo estava mais apto para bailar, me colocaram nas aulas de flamenco.

Quem foram seus mestres?
Meu primeiro maestro foi Antonio Salas, era o primeiro bailarino de Antonio Gades. Depois fiz aulas com José Granero, Merche Esmeralda, Manuel Reyes, Antonio Reyes e La China. No Centro Flamenco Amor de Diós tive aulas com El Guito e Manolete. Fiz aulas com La Tati também. Enfim, foram muitos.

Quem você gosta de ver bailando?
Começando pelos antigos, sempre há que se lembrar de Carmen Amaya. Ela foi uma bailaora a frente de seu tempo, pois começou a sapatear e libertou a mulher do costume de se expressar  predominantemente com os braços. Além dela, gosto muito de Eva Yerbabuena e entre os homens, Domingo Ortega e Manuel Reyes, o vejo como um grande bailaor sobretudo bailando por soleá, é encantador e muito sóbrio. Também gosto de Juan Ramirez, Belén Fernandez, e gente jovem como Belén López, Karime Amaya e Jesus Carmona, primeiro bailarino do Ballet Nacional. É um menino com atitudes incríveis para bailar.

Conte-nos sobre a última companhia que você dançou, a Cia Rafael Aguilar.
Eu estava trabalhando no Teatro Apolo, fazendo o espetáculo Yerma, quando a esposa de Rafael Aguilar me viu dançando e convidou para trabalhar, como a bailaora, na Companhia. Entrei em 1998 e sai 2011. Vivi muitas coisas, aprendi muito, sobretudo com os coreógrafos. Quando se trabalha em teatro, não se monta somente uma coreografia, também há a cenografia, luzes, vestuários, muitas coisas. O teatro lhe parece exigir um baile maior, se aprende outro tipo de medida, não se pode dançar como em um tablado. É preciso dosar muito mais, porque o espaço é tão grande e o tempo, tão extenso. No espetáculo Carmen de Bizet, de Rafael Aguilar, por exemplo, são duas horas e meia. Para o bailarino, é muito custoso bailar, porque Rafael era um coreógrafo que mesclava o contemporâneo com o flamenco.
A forma como ele enfocou todos os personagens e dirigiu sua montagem de Carmen foi muito bem feita, sobretudo a parte da cama e a Tabacalera, quando saem as cigarreiras à tabacaria e acontece a briga entre Carmen e Manolita, é incrível. Eu tive a grande oportunidade de fazer a personagem de Manolita, a rival de Carmen. E não era somente baile, senão aprender a pensar como ela e o que ela queria tirar de Carmen. Para mim, foi algo genial.
Depois fizemos El Rango, uma adaptação da Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, que levou esse nome para proteger os direitos de autor. Tive a grande oportunidade de fazer a irmã mais velha. É uma obra que se fez para o Ballet Nacional de España e o papel de filha menor, Adela, ficou com Lola Greco. A vi interpretando Adela no teatro e chorava de emoção a cada dia. A cena dura meia hora somente e participam a mãe com as cinco filhas. O baile é por martinete e somente com o som dos pés. Adela baila uma soleá preciosa, até que as irmãs e a mãe a matam.
Depois, fizemos também o Bolero de RavelYerma.
Sobre a vida em companhia, quase sempre os primeiros bailarinos e solistas têm a responsabilidade de fazer as coletivas no teatro com os jornalistas, além de bailar. Contamos sobre a obra que vamos fazer e comentamos sobre cada um das personagens. Os jornalistas filmam a parte que escolhem da obra, uma passagem se faz para a fotografia e outra para o vídeo. Esse é o dia da pré-estreia, assim vamos tranquilamente ao hotel e, no dia seguinte, pela manhã, marcamos as posições no palco, fazemos uma passagem com luzes, fazemos uma passagem completa do espetáculo para ver que se está tudo OK. Normalmente restam algumas horas para comer algo e se maquiar e já começa o espetáculo. No dia seguinte, volta a rotina. Fazemos uma aula de clássico, dou outra aula de flamenco e logo ficamos com repetições. O repetidor da companhia anota tudo o que no dia anterior não saiu bem e a cada dia temos que corrigir e ensaiar.

 

Como é seu processo de criação das coreografias?
Com palos de flamenco, normalmente há que seguir uma regra, pois quase todos os bailes têm uma forma. Claro que evoluímos muito e podemos fazer mudanças. Eu gosto muito de experimentar com os músicos. Quando vou fazer algo lhes pergunto muito. Às vezes penso em uma sequencia de movimentos e logo chamo o guitarrista e digo: “Aqui quero que faças algo livre e que me sigas o que vou fazendo”. Isso é totalmente improvisado, todos os dias. Eu faço uma marca, por exemplo, um toque na perna e levanto a saia e aí ele sabe que tem que acabar. Mas durante esse período, ele vai improvisando e eu também. Eu gosto muito da improvisação. Eu não poderia bailar igual todos os dias.
Quando trabalhas em teatro, aprendemos muitas coisas, por exemplo os Tops. É quando o técnico de luz já sabe quando tem que acender alguma luz porque a bailarina faz uma marca, um Top. Eu gosto muito de ter passos que meus músicos e cantaores sabem que, depois desse passo, vai vir essecierre que todos reconhecem. Mas enquanto não faço esse passo, eu faço o que tiver vontade, não quero que ninguém me imponha o que tenho de fazer. Eu tive muita sorte de poder coreografar minhas coreografias em todos os lugares em que bailei, tanto em tablados como em companhias, como Rafael Aguilar.
Quando monto algo, muitas vezes vejo o passo ou algo rítmico que me saiu e quero fazê-lo, então comento com os músicos, “Olha, onde acreditas que podemos colocar isso, como ficaria bem?”. É muito interessante esse diálogo com os músicos.

Você já montou espetáculos?
Não, mas tenho muita vontade. Nunca fiz pela simples razão de que, como entrei na companhia em 1998, trabalhei sempre em companhia e em tablados. Mas, tenho uma ideia muito boa e acredito que algum dia a farei. Os espetáculos não podem ser explicados antes que se apresentem, senão não saem bem. É o que se diz no mundo da arte.

É possível conciliar as aulas e as apresentações?
Sim, dando aulas se aprende muito. Às vezes ao corrigir o aluno percebemos as falhas que cometemos.
Durante as aulas e as montagens de passos é quando mais se improvisa, porque lhe ocorre um monte de coisas e você começa a pensar: “Eu faria assim ou eu faria de outra maneira”.
No palco, não tens essa oportunidade porque não dá para corrigir, é preciso que fazer o que estás fazendo. Acredito que o professor não faz o aluno, mas sim o aluno faz o professor. Se você consegue tirar proveito dos seus alunos, é porque seus alunos são bons e aprenderam bem com você. Quando um aluno que dança bem, você se sente fenomenal. É o melhor que você leva.

Por que você escolheu o Rio de Janeiro para viver?
Estive aqui em 2007, dando cursos organizados por Allan Harbas, Tiza Harbas, Eliane Carvalho e Maria Thereza Canário. Me encantei pelo país, as pessoas – vejo como uma gente muito aberta, muito simpática – e a comida… Enfim, gosto de tudo. Sempre pensei que se acontecesse algo em minha vida e estivesse sozinha, queria começar uma nova etapa aqui no Brasil.

Por que você acha que há tantos espanhóis vindo ao Brasil agora?
Acredito que no Brasil se aceitou muito bem o flamenco e, para mim, há bom flamenco. Eu sempre digo que respeito muito as pessoas de fora, pois me coloco na situação do outro. Se eu gostasse do flamenco mas não tivesse nascido na Espanha, teria pena por não poder aprender nas aulas da Amor de Diós, não poder trabalhar nos tablados. Então, eu entendo o que vocês sentem e acho que aqui se respeita muito o flamenco, como em todo o mundo. No Japão também se respeita muito. Na China agora se está abrindo um mercado também. Na Austrália também conheci pessoas que faziam um bom flamenco.
Quando estive aqui no Brasil em 2007, vi que o flamenco era muito bom, que as pessoas trabalham muito e amam de verdade essa arte. E vocês também têm muito ritmo, isso é muito importante para o flamenco. Acho que aqui o flamenco está em pleno auge, graças aos professores. Vocês fazem bom flamenco e veem coisas que nós não damos muita importância. E também o respeito com que nos tratam, a amabilidade. Eu me sinto super à vontade e suponho que todos os meus companheiros de trabalho sentem a mesma coisa. Também há aqui uma riqueza musical muito boa.

Pensas que o melhor dos brasileiros no flamenco é o ritmo?
Não quero dizer que eu gosto do Brasil ou do brasileiro pelo ritmo, mas sim que é fundamental ter bom ritmo para bailar, e aqui há. O flamenco para mim é uma forma de viver, a mesma forma que vejo aqui. Eu acho que quem dá aulas, o faz porque necessita a cada dia estar bailando, ver um movimento, uma expressão. Eu não posso ficar dois dias sem dançar porque os nervos me comem. Quando estou limpando a casa estou dançando. Porque me vem um passo na cabeça e digo, espera, vou fazer isso e depois sigo varrendo (risos). É muito divertido. Para nós, a droga da vida é o baile flamenco.

Dizem que no flamenco não se interpreta um personagem, que não tem nada a ver com o teatro. O flamenco seria essencialmente os sentimentos do bailaor que estão em cena. Que você pensa disso?
A verdade é que cada palo tem o seu porquê. As alegrias são alegres, as bulerías também. Hoje comentávamos na aula que quando se baila por bulerías não se deve pensar tanto no baile, senão na festa. Por que é tão engraçado quando o guitarrista ou o cantaor dançam? Porque eles não dançam! Muitas vezes o bailaor baila melhor e mais difícil, mas o que chamou mais atenção foi o guitarrista, todo mundo lembra de como foi divertido.
Mas não nos esqueçamos que quando dançamos uma siguiriya ou uma soleá e estão cantando uma letra trágica, de morte ou de abandono, por exemplo, você tem que interpretar essa letra. Não quer dizer que seja uma personagem, mas você está interpretando o que o cantaor está cantando. “Devemos escutar o cante” é o que se diz quando se dança. Ao interpretar uma letra, a sua linguagem é o corpo. A mão nesse contexto tem muita força, porque é da mão que sai toda a energia. Com nosso olhar, podemos dizer muitíssimas coisas e com os gestos podemos dizer “deixe-me”, ou podemos “te quero”. Para os bailaores, é nossa maneira de sentir. Então, não é que estejamos interpretando uma personagem, mas quando você ouve um arpejo lindo, lhe dá vontade de movimentar os braços e interpretar isso que está soando. Na vida, também interpretamos às vezes.

Que achou de Florianópolis e das pessoas que fazem flamenco lá?
Gostei muito, a palavra é magnífico. Acho que fizemos muito bom trabalho em três dias e para mim, entenderam muito bem a técnica, trabalham muito bem e escutam bem as coisas que são ditas. Nota-se quando o aluno está escutando, ao professor nunca se engana. Às vezes o professor percebe que os alunos estão cansados, mas tem que dar muita energia. É muito importante que ele dê energia aos alunos. Não se pode exigir que o aluno dê o máximo de si, sem dar o máximo primeiro. Ele tem que ver que você faz uma coisa bem, para que ele a faça. Não me serve de nada comentar coisas, falar e fazer passos e que o aluno não entenda. Se diz muito com o movimento. Quando dança, o aluno tem que ver como você faz. É muito importante que o aluno desfrute. Na técnica também se desfruta, há espaços para encontrar a sua maneira de desfrutar. É aí que você se encontra dançando. Cada um tem suas formas.

Algo mais?
Estou muito à vontade com as novas mudanças, é um bom momento para mim. Se disso sair algo bom, estou encantadíssima.

 



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